Deusmar Queirós, fundador da rede de farmácias cearense Pague Menos, completa 67 anos de idade esta semana - 60 deles de “trabalho ininterrupto”, segundo suas palavras – com sentimentos dúbios. De um lado, feliz com o momento da empresa, que deve chegar aos R$ 4,4 bilhões de faturamento em 2014. De outro, preocupado com o impacto da Copa do Mundo, que deve afastar R$ 150 milhões dos cofres da companhia, e com a violência vista nas manifestações populares pelo país. O empresário que começou vendendo frutas em Fortaleza para ajudar a família, no entanto, afirma que o otimismo prevalece. "De manhã eu nem digo que vou para o trabalho, digo que vou pra festa", brinca.
Como uma espécie de pregador no deserto, é um dos poucos membros do alto escalão da economia nacional a ver com bons olhos o atual momento do país e as perspectivas para o futuro. No seu caso, a esperança no futuro é baseada nos planos para o grupo: uma abertura de capital (IPO) que pode movimentar até R$ 1,8 bilhão e a meta de chegar a mil farmácias na rede até 2017. Confira a entrevista do empresário à NEGÓCIOS:
Quanto a Pague Menos vai vender este ano?
Mesmo com alguma queda por causa da Copa, nosso faturamento deve chegar a R$ 4,4 bilhões. Vai ser um crescimento de pelo menos 15% frente ao ano passado. E também vamos chegar a 730 lojas. Hoje já são 680 e temos mais 60 em construção. Faz parte de um projeto muito ambicioso de chegar a mil lojas até 2017. Temos um bom lucro, na faixa de 2% a 3% do faturamento bruto, o que é ótimo para os padrões do varejo. O Walmart, maior varejo do mundo, trabalha com 1,5%. Se você sobre muito essa margem, perde market share.
Qual é o market share da rede?
No nível nacional temos hoje uns 6% do mercado, que é muito pulverizado. Somos a terceira maior rede do país porque os paulistas cansaram de apanhar de um cearense e juntaram a Droga Raia com a Drogasil e depois a Drogaria São Paulo com a Pacheco. E ficamos à frente da Brasil Pharma, que está passando por algumas dificuldades. Mas vou lhe dizer, essa questão da posição no ranking não é o mais importante para a gente. O fundamental são outros fatores como termos a classificação de risco AA da Fitch.
O senhor disse que a Copa vai impactar as vendas. De que forma?
Por causa dos feriados da Copa, nossa previsão é que vamos perder 20% de faturamento em junho e mais 20% em julho. Isso é algo em torno de R$ 150 milhões. Mas veja, eu não posso ser egoísta. A Copa vai divulgar o Brasil para a maior parte da população mundial, que são alguns bilhões de pessoas. Isso pode ter um desdobramento enorme na vinda de gente para cá. Existem países muito menores que recebem dez vezes mais turistas que a gente. A hora de vender o Brasil para o mundo é agora.
Eu digo que nós temos que apoiar a Copa. O estrangeiro não tem nada que ver com os nossos problemas. O brasileiro sempre foi conhecido como um povo animado, alegre, que recebe bem que vem na nossa casa. Precisamos mostrar a eles quem somos. Faço um apelo para que essas manifestações sejam feitas de forma ordeira. É incompreensível o que está acontecendo. Famílias assaltando, lojas sendo saqueadas. Que tipo de manifestação é essa que leva a invadir uma loja de eletrodomésticos, uma farmácia, um supermercado? Isso não é reivindicação, é vandalismo. Eu não conheço esse Brasil violento. E tem pessoas de bem que estão participando disso por falta de informação. Tem todo o direito de reclamar por mais saúde, mais educação, mais segurança, mais mobilidade. Mas é não queimando ônibus!
Como está o projeto de fazer a abertura de capital (IPO) da empresa?
Nós tentamos fazer o IPO em 2012, mas foi bem no momento em que mudou o humor dos estrangeiros em relação ao Brasil. Não dá para fazer o IPO só com brasileiros, porque 70% das vendas são feitas para estrangeiros. Eu fico na expectativa que tão logo o governo que assumir no início de 2015 identifique o que vai fazer, o Brasil volte a ser foco dos investidores estrangeiros. Acho que iremos fazer isso no segundo semestre de 2015 ou talvez no comecinho de 2016. Nesse ponto eu imagino vender algo em torno de 25% a 33% da empresa, que deve gerar algo entre R$ 1,2 bilhão a R$ 1,8 bilhão.
Existem algumas grandes redes internacionais chegando ao mercado farmacêutico brasileiro. Como encara essa nova concorrência?
O maior complexo farmacêutico do mundo hoje é a americana CVS, que tem 8 mil lojas e fatura acima de US$ 50 bilhões. Inexplicavelmente eles chegaram aqui no Brasil, compraram 50 lojas e ficaram quietos. Eu acho que eles estão é assustados com o Brasil.
Por que esse susto?
Porque aqui temos deputados que lançam projetos para que as farmácias não possam vender nada além de remédio, higiene e beleza. Hoje em dia até para abrir uma farmácia tem que ver o índice epidemiológico da região, para que possa ter permissão. São barreiras incompreensíveis para os americanos, que vivem numa economia totalmente livre. Lá eles podem abrir onde quiserem, desde que cumpram com obrigações fiscais. Mas aqui todo mundo mete o bedelho, então eles devem estar bem assustados.
O senhor sempre foi um defensor de que as farmácias possam vender de tudo, certo?
Exatamente. Aqui eu preciso de um batalhão de 11 advogados só para vender sorvete. Sem eles eu sou um contraventor, porque eu comercializo alimentos na farmácia. Eu vendo 100 toneladas de sorvete por mês, além de biscoitos, refrigerantes e chocolate, mas preciso de uma liminar na Justiça para poder fazer isso, e aí é que entram os advogados. Se postos de gasolina e padarias podem vender tudo isso, por que uma farmácia não pode? Acho que vigilância sanitária pensa que quando você compra um sorvete você compra um antibiótico, você se automedica. Isso é chamar todo mundo de burro.
Qual a importância do novo centro de distribuição de Hidrolândia, em Goiás?
Cerca de 80% dos meus fornecedores ficam em São Paulo. Toda a produção é enviada ao centro que temos no Ceará e volta para as demais unidades. Então imagina o caminho de um remédio que sai de São Paulo, vai para Fortaleza e de lá para Porto Alegre, por exemplo. Com o novo centro de Goiás eu ganho pelo menos uns cinco dias para chegar lá e mais uns cinco dias para voltar, ou seja, uns dez dias a mais de estoque para toda a região que ele vai abastecer, do Centro-Oeste para baixo. Além disso, também criamos um sistema de backup que faz com que, se acontecer alguma coisa em um dos centros, o outro substitui e abastece toda a rede.
Como pensa em manter o ritmo de crescimento? Pode fazer uma aquisição?
Eu tenho meio bloqueado essa história de comprar alguém. Quando você faz uma aquisição vem muito esqueleto no armário: problemas fiscais, problemas trabalhistas. Já aumentando a rede por conta própria a coisa é diferente, você tem muito mais controle. Então nós preferimos não ir por esse caminho. Até agora nós crescemos com endividamento baixo, de menos de duas vezes o meu Ebitda, e temos uma geração de caixa que permite seguirmos abrindo de 60 a 80 lojas por ano.
O modelo de franquias pode ser uma opção?
De jeito nenhum. Franquia é muito perigoso. Se o cara vender um abortivo, um psicotrópico sem receitas ou fizer alguma aplicação irregular que moram alguém dentro de uma das lojas vai colocar a empresa inteiro a perigo. Não nós queremos isso não.
Como o senhor vê as perspectivas da economia brasileira?
O Brasil passa por uma fase maravilhosa. O sonho do Fernando Henrique Cardoso era que nosso salário mínimo fosse de US$ 100 e hoje ele é de mais de US$ 300. Para comprar um carro popular há dez anos era preciso 150 salários mínimos. Hoje você gasta menos de 50 salários. TV de plasma de 30 polegadas custava R$ 3 mil há alguns anos e hoje custa menos de R$ 1 mil. Até o Viagra você consegue hoje o genérico pela metade do preço. Nós somos muito apressados, mas vai ao aeroporto de Guarulhos ver o novo terminal que fizeram por lá. Eu nunca vi tão bonito nem em Dubai. Os caras da concessionária que assumiu conseguiram fazer em dois anos o que a Infraero não faz em 30. Eu viajo de cabo a rabo no Brasil toda semana e não tem como não sair do aeroporto até o centro da cidade e não ver uns 20 prédios em construção. Está sendo construído lá em Fortaleza um porto de grande calado para receber os navios de turismo que irão ao Caribe. Vai surgir por lá um aquário maior que o de Atlanta (EUA) e o terceiro maior centro de convenções da América latina. O Brasil está pipocando de coisas boas.
Porque então o empresariado nacional está tão pessimista?
De besta que é. Os empresários estão indo na onda negativa e têm que parar com isso, porque o pessimismo atrapalha. Quando começa o dia eu tenho duas opções: ser pessimista ou otimista. Eu sempre estou otimista, porque isso me deixa motivado. De manhã eu nem digo que vou para o trabalho, digo que vou pra festa (risos).
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